Em MS, número de laqueaduras aumentou 70% após mudança de lei
Em Mato Grosso do Sul, o número de cirurgias de laqueaduras tubárias aumentou 70% após a mudança da lei que reduziu a idade permitida para realização do procedimento, de 25 para 21 anos. A alteração aconteceu em 2022. Desde então, o número saltou de 2.146 no ano citado para 3.828 operações em 2023. Os dados são da SES (Secretaria Estadual de Saúde).
A cirurgia é simples e feita pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Nela é feita a obstrução das tubas uterinas, impedindo o processo de fecundação. O levantamento aborda o índice das maiores cidades do Estado, como Campo Grande, Corumbá, Três Lagoas e Dourados.
A pasta pontua que o número pode ser maior devido às possíveis subnotificações, “uma vez que os procedimentos devem ser processados de forma correta pelos hospitais para aparecerem no sistema de informação”, diz a secretaria.
Na Capital, o número já vinha crescendo gradativamente, mesmo antes da lei. Em 2020, foram realizadas 683 laqueaduras, no ano seguinte foram 796. Em 2022, houve um salto expressivo de 1.160 operações. Em 2023, a quantidade aumentou ainda mais, passou a ser de 1.977. Quanto a porcentagens, o aumento foi de 45% de 2021 para 2022 e 70% de 2022 para 2023.
Quem também teve uma crescente de operações foi a cidade de Dourados, município a 251 quilômetros de Campo Grande. Entretanto, o aumento foi mais sutil até 2022. Em 2020, o número era 491, no próximo ano subiu para 505. Já em 2022 ,o crescimento foi de 34% a mais. No período, a cidade registrou 681 procedimentos. O grande aumento aconteceu de 2022 para 2023. Ao todo, 1.160 mulheres realizaram a operação na cidade.
Mudança – A alteração na Lei 14.443 foi feita em 2022 no mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro. A redução da idade para realização da cirurgia é válida tanto para as mulheres quanto para os homens. O texto também dispensa o aval do cônjuge para o procedimento de laqueadura e vasectomia.
Agora, pessoas sem filhos podem fazer a esterilização, desde que tenham a idade mínima exigida. Quem tem, pelo menos, dois filhos vivos também tem a autorização, independentemente da idade. As gestantes podem fazer laqueadura imediatamente após o parto. A cirurgia só acontece após 60 dias da manifestação da vontade em fazer o procedimento.
Para a médica ginecologista e obstetra Maria Auxiliadora Budib, vice-presidente da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), no Centro-Oeste, a mudança foi boa, pois permitiu que mais mulheres tivessem acesso ao recurso, devido a não ser obrigatório que um parceiro autorize o procedimento no corpo da mulher.
Tabu da líbido – Maria, que também é professora adjunta da faculdade de Medicina da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), ressalta que ainda há muitos tabus envoltos ao tema, principalmente de que a operação diminuiu a libido.
Quem é laqueada não tem a libido comprometida. As tubas não estão na produção hormonal, esse papel pertence aos ovários. A libido mais baixa no período puerperal e pós-parto está relacionada ao aumento da prolactina, diminuição dos hormônios sexuais pela lactação, mudança do estilo de vida, cansaço pelo cuidado com a criança. É um período fisiológico e que o casal vai entendendo que o espaço para a sexualidade já já estará em dia”.
Para ela, o procedimento é um direito reprodutivo fundamental, mas não deve ser encarado como única opção.
“Acho ruim a laqueadura que vem como “opção única“, onde a mulher não foi possibilitada a conhecer outros métodos, a laqueadura que aumenta taxa de cesárea eletiva para estar associada à esterilização. Os casais precisam e devem continuar esse debate, quem quer ou não mais filhos. Mas ser obrigatório traz um domínio do corpo da mulher como se houvesse um dono. A laqueadura e a vasectomia são métodos permanentes, com difícil reversibilidade, e quem se submete aos métodos definitivos precisam entendimento desta realidade.”
Segundo a médica, é imprescindível que as mulheres tenham cuidado ampliado, que sejam oferecidos os métodos reversíveis, inclusive os LARCs (métodos de longo prazo),- como diu hormonal, de cobre e implantes – e aconselhamento reprodutivo.
Acesso – Mesmo após mudança na regra, 37 mulheres precisaram recorrer à Justiça para conseguir realizar o procedimento de laqueadura, sem a necessidade do consentimento do marido, em 2023. Os números foram apresentados no balanço da Defensoria Pública.
Em 2023, a defensora da 2ª Instância Zeliana Sabala disse à reportagem que em 2024 ações para evitar a restrição de mulheres ao procedimento seriam prioridade.
“Infelizmente, constatamos que a rede de saúde não cumpre a lei na integralidade. A lei, que entrou em vigor no início do ano colocando fim à obrigatoriedade de aval do cônjuge para procedimentos de laqueadura e vasectomia, é uma importante conquista das mulheres que está sendo descumprida em MS e essa será uma das nossas prioridades para 2024”, ressalta.