Novo Ozempic? A corrida das farmacêuticas por remédios voltados à perda de peso

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A indústria farmacêutica está em contagem regressiva. Em 2026, a patente do Ozempic, medicamento criado para o tratamento de diabetes, será extinta, o que já mobiliza empresas no Brasil e no mundo interessadas em abocanhar parte de um mercado bilionário — e que não para de crescer. O Ozempic tornou-se uma febre mundial ao ser administrado em terapias para a perda de peso, trazendo resultados rápidos para pessoas que vivem brigando com a balança.

Enquanto os usuários do remédio emagrecem, o caixa do laboratório dinamarquês Novo Nordisk, dono da cobiçada patente, engorda. Em 2023, seu lucro aumentou 51%, para quase 84 bilhões de dólares. Só no Brasil, as vendas do medicamento geraram 3,1 bilhões de reais, segundo dados da consultoria IQVIA. Foi a maior cifra para um único remédio comercializado no ano no país. É fácil entender esse desempenho. Mais da metade dos adultos brasileiros têm obesidade ou sobrepeso, um público potencial que não hesita em recorrer a todo tipo de ajuda para perder os quilos a mais.

O princípio ativo do Ozempic é a semaglutida, que atua no corpo de forma semelhante ao hormônio GLP-1, dando ao usuário do medicamento a sensação de saciedade. Essa substância é classificada como um produto biológico e, por isso, as réplicas são chamadas de biossimilares e não de genéricos. A nomenclatura muda, mas as regras para o registro são as mesmas. Conforme a legislação brasileira, a “cópia” deve ser, no mínimo, 35% mais barata que o remédio de referência. O que costuma ocorrer, na prática, é uma redução de valores ainda maior, com o laboratório detentor do medicamento de referência reduzindo os preços para lidar com a concorrência após o fim do monopólio de venda.

Um dos casos mais famosos é o do Viagra, remédio para disfunção erétil que tem como princípio ativo o citrato de sildenafila. Quando a patente chegou ao fim, em 2010, a Pfizer reduziu o preço do “azulzinho” em 50%, o que levou o valor de cada comprimido para 15 reais à época. É esperado o mesmo caminho para as canetas injetáveis do Ozempic, que custam em torno 1 000 reais cada uma, e outros dois medicamentos da Novo Nordisk que são feitos com a semaglutida: Wegovy e Rybelsus, cujas patentes vencerão em 2026 no Brasil e na China, além de outros mercados.

A Novo Nordisk não revelou qual será a estratégia para se ajustar à nova realidade, mas lamentou o fim da exclusividade em 2026 e não em 2029, como esperado. A mudança deve-se a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2021, que impôs o prazo de vinte anos para patentes a partir da data do depósito do pedido de análise no Instituto Nacional de Propriedade Industrial. “A companhia sofreu um encurtamento aproximado de três anos e meio do tempo real de aproveitamento devido a uma decisão do STF, que também afetou outras patentes farmacêuticas. Com isso, o tempo real de gozo da patente ficou limitado a um período inferior a sete anos”, disse o laboratório, em nota.

A decisão do STF acelerou os planos de investimentos dos laboratórios. A EMS desembolsou 70 milhões de reais em uma nova fábrica, que foi inaugurada em Hortolândia (SP) em setembro passado e deverá produzir biossimilares da semaglutida. O projeto foi iniciado em 2020, após a assinatura de um contrato de financiamento com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que garantiu quase 70% do montante total.

Ninguém quer ficar de fora. A Hypera Pharma admite que pretende incluir o biossimilar do Ozempic em seu portfólio assim que a patente expirar. Breno Oliveira, presidente da farmacêutica, afirma que a intenção é realizar as pesquisas e apresentar em breve os testes de bioequivalência à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A etapa seguinte é garantir o registro de comercialização e esperar o vencimento do prazo. “Com a entrada de novos competidores nesse mercado, será possível democratizar o acesso ao tratamento de pacientes que hoje não conseguem adquirir o produto patenteado”, diz Oliveira. Os exemplos se sucedem. Em evento recente, o dono da Cimed, João Adibe, declarou que a empresa terá uma “canetinha amarela” quando a patente do Ozempic expirar. Procurada, a Cimed optou por não comentar o assunto.

A farmacêutica Biomm pretende trilhar um caminho diferente para vender um rival do Ozempic no mercado brasileiro. Em abril, a empresa fechou um acordo com a indiana Biocon para importar a semaglutida para o Brasil. O mercado financeiro vibrou com a inciativa — no dia do anúncio, a cotação das ações do laboratório negociadas na B3, a bolsa de valores de São Paulo, saltou 40%. Por ser um produto importado, a Biocon deverá apresentar os estudos de bioequivalência ao órgão regulador da Índia. Após esse aval, a companhia brasileira poderá solicitar à Anvisa o registro para a venda de seu medicamento no Brasil. Os planos para o novo produto são ousados, embora os valores de investimentos não tenham sido revelados. “Espera-se que similares de GLP-1 que a companhia vai comercializar representem uma participação significativa no mercado de produtos para doenças metabólicas”, diz Renato Arroyo, diretor financeiro da Biomm.

Além da redução dos preços, o fim das patentes também costuma levar a avanços nos próprios produtos. Reginaldo Arcuri, presidente-executivo do Grupo FarmaBrasil, associação que representa as indústrias do setor, conta que muitas inovações surgem a partir das “cópias” dos medicamentos que perdem a patente. “Há uma base industrial muito forte no país que permite que as nossas associadas invistam em inovação”, afirma. “O Brasil é capaz de fazer não só uma cópia muito sofisticada, mas também de produzir medicamentos novos a partir delas, mais avançados.” Arcuri cita o exemplo do Vonau Flash. O princípio ativo ondansetrona já era utilizado no formato de comprimidos orais para o tratamento de enjoo, mas a farmacêutica Biolab e a Universidade de São Paulo desenvolveram uma nova apresentação, sublingual, o que aumentou a eficácia da substância — trata-se da inovação que mais rende royalties à USP.

A mobilização dos concorrentes do Ozempic não se limita ao Brasil. Na China, há um movimento das farmacêuticas locais para dar início à venda de biossimilares assim que expirar o prazo da patente, em 2026. Analistas do Goldman Sachs esperam que no país asiático a concorrência leve a uma redução de 25% nos preços do Ozempic por lá. O banco americano calcula ainda que os remédios para o tratamento da obesidade deverão gerar 100 bilhões de dólares até 2030, um avanço extraordinário diante dos 6 bilhões de dólares que serão movimentados em 2024. Não há dúvida: o Ozempic e seus futuros concorrentes são um negócio de peso.

Publicado em VEJA, outubro de 2024, edição VEJA Negócios nº 7

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