Relógio da violência: a cada 6 horas uma pessoa é estuprada em Mato Grosso do Sul
Mato Grosso do Sul registra 1 caso de estupro a cada seis horas só nos 5 primeiros dias de janeiro de 2023. Segundo a Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), em menos de uma semana, o Estado já soma 20 casos neste ano.
Apesar de Mato Grosso do Sul registrar 20 estupros só nos primeiros cinco dias de 2023, de acordo com Sejusp, 2022 registrou o menor número de casos dos últimos cinco anos. Apesar de ter queda, a soma do crime ainda é considerada alta, já que de janeiro a dezembro foram 1.842 casos.
Em 2018, Mato Grosso do Sul teve 2.198 estupros, sendo 761 em Campo Grande. No ano seguinte, em 2019, foram 2.183 em todo Estado e 728 na Capital.
O ano da pandemia, 2020, apresentou queda nos números, sendo registrados 1.934 casos em MS. Deles, 600 aconteceram em Campo Grande. Em 2021, foram 1.960 estupros, sendo 564 na Capital.
Ainda segundo a secretaria, os gráficos mostram que janeiro é sempre o mês em que mais são registrados casos de estupro no Estado. Apesar dos números continuarem altos, 2022 registrou queda na época em comparação aos últimos 9 anos.
Em Mato Grosso do Sul, em 85% dos casos as vítimas são do gênero feminino. O número é ainda pior quando o crime é detalhado por faixa etária. Crianças e adolescentes de 0 a 17 anos são os principais alvos dos estupradores.
Nos casos de estupro de crianças e adolescentes, a preocupação é que em 90% deles os autores são parentes e estão dentro da casa com a vítima.
Casos de estupros
No início do mês de novembro do ano passado, uma menina de 13 anos pediu socorro a uma amiga após perceber que seria mais uma vez estuprada pelo padrasto em Campo Grande. A adolescente contou à polícia que era abusada há cinco meses pelo homem e que o crime acontecia na frente da mãe, com o consentimento da mulher.
À polícia, a mulher contou que sabia, mas não fez nada, pois o marido era violento e a ameaçava de morte. O criminoso confessou que estuprava a menina.
Em depoimento especial, a vítima contou que o padrasto estava casado com sua mãe há 3 anos, e que eles teriam dito a ela que autorizariam a menina a namorar, mas que antes o autor ia mostrar como era para não ser machucada. Todos os abusos eram praticados na frente da mãe da menina e o padrasto ainda mantinha relações com as duas ao mesmo tempo. Quando ela se recusava, o casal tirava o celular dela como forma de punição. O Conselho Tutelar foi acionado e a menina entregue a uma tia.
Em outubro de 2022, também em Campo Grande, a avó de uma menina de 10 anos acordou com os gritos da criança que era abusada pelo “amigo” do pai, um rapaz de 23 anos. O pai da vítima estava consumindo bebida alcoólica com o autor quando saiu para comprar mais, deixando a menina na sala. A avó também estava na residência, mas estava dormindo.
A avó acordou com os gritos da neta, que teria relatado que estava deitada no sofá, quando o suspeito enfiou o órgão genital em sua boca e forçou um beijo. Em seguida, a mulher acionou a PM. Ele fugiu da casa, mas foi pego por vizinhos na rua, onde foi linchado. Preso pelos moradores, ele foi levado novamente até o endereço, onde estava uma equipe da PM.
No último mês de agosto, uma criança de 4 anos reclamou de dor no órgão genital durante o banho. Questionada, pela mãe, a menina disse que um homem teria a machucado. Ao mostrar várias fotos para a criança, a vítima informou que o abusador seria o marido da babá. A menina contou a mesma história para a tia. O caso ainda segue sob investigação.
Em julho, um homem de 45 anos foi preso em flagrante depois de ser pego pela esposa estuprando a enteada, uma menina de 13 anos. A vítima ainda revelou que a irmã mais nova, de 8 anos, que é filha do acusado, também era vítima dos abusos.
A mulher acionou a Polícia Militar e contou que, ao chegar em casa, flagrou o marido estuprando a menina no sofá da casa. Ao perceber que a esposa tinha chegado, o homem ainda pediu para que ela não contasse nada para ninguém.
Para a mãe, a menina ainda contou que era abusada desde os 11 anos de idade e que os estupros teriam acontecido várias vezes. Ela chegou a revelar que a irmã mais nova, de 8 anos, também sofria os abusos.
Sinais que possam indicar abuso infantil
Em entrevista anterior ao Midiamax, a então delegada da DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente) na época, Marília Brito, contou quais os sinais que uma criança pode indicar quando está sendo violentada.
O primeiro sinal a ser observado é uma possível mudança no comportamento habitual da criança. “Teve alguma modificação brusca de comportamento? É importante analisar isso, buscar a origem. Às vezes, a aproximação demasiada de alguém, ou um antagonismo muito severo com relação aquela pessoa”, alerta. Queda no rendimento escolar, ansiedade, depressão, automutilação, isolamento também podem ser sinais do abuso.
O passo seguinte é buscar entender o que foi que aconteceu. “Se foi um abuso, se foi uma violência, se foi um fato comum da vida que deixou essa criança desse jeito”, descreve.
Não existe um perfil específico de abusadores, pois eles podem estar em qualquer lugar, em todas as classes econômicas, e em todos os ambientes. Mas, de acordo com Marília, esses indivíduos geralmente tendem a permanecer em ambientes de convívio de crianças. “Locais que dão a ele, acesso a essas crianças. Mas também tem aquele abusador de gerações. Que abusa da filha, da neta, da bisneta, da sobrinha, e da geração inteira da família”, contextualiza.
Estatísticas apontam que a maioria dos casos de estupro de vulnerável é praticada dentro do ambiente familiar, por padrastos, vodrastos, avós, pais e tios. “Esse é um ponto delicado. É muito difícil um filho chegar para uma mãe, e falar que o pai, o padrasto, o vô ou vodrasto, estão abusando sexualmente. Encarar tudo aquilo com veracidade e fazer o rompimento do vínculo, é uma dor que atinge toda família”. Muitas vezes, a criança sente vergonha e até culpa, e com isso acaba não relatando a ninguém o abuso sofrido.
Há casos em que a vítima conta e acaba não sendo levada a sério por quem deveria protegê-la, causando danos psicológicos para a vida inteira. “Geralmente o agressor é quem deveria proteger aquela criança. Então aquela criança não tem voz. Porque quem deveria dar a voz e a proteção é quem pratica a violência. Então, para aquela criança sair daquele ciclo de violência é muito mais difícil. Geralmente também, a família tem muita dificuldade de crer na palavra da vítima. E o fato daquele que deveria ter tomado atitude, que deveria ter procurado as autoridades, não ter feito, causa mais dor”, pontuou.