Abuso sexual para além do contato físico: quais são e como identificar os sinais
O abuso sexual costuma ser associado ao contato físico, violência e relação sexual. Mas existem outros fatores que configuram um abuso e devido à falta de conhecimento, muitas pessoas não conseguem identificar os sinais para buscar ajuda. Para falar sobre o assunto, a advogada Mariana Tripode e a psicóloga Sirlene Ferreira elencaram os principais pontos que envolvem o abuso.
O que é abuso sexual?
Segundo a advogada, o abuso sexual “é todo tipo de ação que viole sexualmente alguém sem o consentimento da outra parte. É uma atividade sexual não desejada, obtida por meio de ameaça, força física ou violência psicológica”.
A Lei 12.015/2009 prevista no Código Penal Brasileiro assegura às vítimas desses abusos. Entretanto, muitas delas têm receio em denunciar e os fatores são relacionados a vergonha, medo de serem julgadas, falta de acolhimento da própria família, bem como a sensação de impunidade.
É importante ressaltar que nem sempre o abuso é caracterizado pelo contato físico ou sexo consumado. No caso do assédio sexual, por exemplo, o agressor pode constranger a vítima com palavras, abordagens machistas, brincadeiras de teor sexual, olhares indiscretos nas partes do corpo da mulher, entre outros. Esses atos podem acontecer em espaços públicos, no trabalho ou até mesmo em casa.
Além disso, crianças e adolescentes também são vítimas de abuso e, normalmente, ocorrem no âmbito familiar. Segundo levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, mais de 70% dos abusos foram cometidos por pessoas do convívio familiar. A maioria dos criminosos são pais e padrastos, seguido por irmãos, primos e avós.
Tipos de abuso sexual
Entender sobre as diferentes formas de abuso sexual ajuda a vítima e as pessoas próximas a reconhecerem os sinais e buscar ajuda. Dessa forma, as especialistas apontam os principais tipos e como ocorrem:
- Estupro marital: quando o próprio cônjuge comete violência contra a mulher. Esse ato pode acontecer por meio de violência física, moral ou psicológica para obrigar a mulher a ter relação sexual. Essa forma de violência doméstica ocorre, principalmente, quando a mulher está dormindo e ela cede as investidas do companheiro por entender que essa situação é normal no relacionamento.
- Estupro de vulnerável: conforme o artigo 217-A do Código Penal, é considerado crime ter conjunção carnal ou atos libidinosos com adolescentes menores de 14 anos. Além disso, qualquer pessoa, independentemente da idade, que tenha alguma doença mental ou estado físico que afete o discernimento é considerado incapaz de decidir sobre a prática sexual.
- Stealthing: é o ato de retirar a camisinha durante o sexo sem o consentimento da mulher, considerado crime de violação sexual mediante fraude. A vítima acredita que está praticando sexo seguro, quando, na verdade, o parceiro retira o preservativo sem o seu consentimento.
- Importunação sexual: atos exibicionistas, como mostrar os órgãos genitais ou se masturbar na frente de mulheres sem o seu consentimento se enquadra como crime de importunação sexual e está previsto na Lei nº 13.718.
- Assédio sexual: conforme destaca a advogada, “para considerar um crime, não necessariamente precisa consumar uma relação sexual”. Nesse sentido, o assédio sexual está muito presente em cantadas grosseiras, situações de intimidação de conotação sexual com ou sem contato físico.
Além disso, existe o assédio sexual praticado no ambiente de trabalho. Normalmente, ocorre por meio de chantagem ou intimidação. No primeiro, a vítima é pressionada a ter uma conduta sexual em troca de benefícios ou por ameaças de demissão. No segundo caso, a vítima é intimidada por atitudes impertinentes, como cantadas, brincadeiras e “elogios” constrangedores que causam sentimento de humilhação.
Violência sexual x Abuso sexual x Exploração sexual
Segundo Mariana Tripode, a violência sexual ocorre quando o agressor realiza um ato sexual ou conjunção carnal à força, normalmente sob grave ameaça. “O abuso sexual é um conceito semelhante, não há anuência da vítima, mas não necessariamente houve uso de violência, utilizando outras formas de obtenção de vantagens sexuais mediante coações e pressões”.
Já a exploração sexual “é quando uma pessoa se utiliza do corpo de outra pessoa para obter ganhos econômicos com as relações sexuais da explorada”, explica. Isso acontece principalmente com mulheres, crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Os números só crescem e o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial de Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
Segundo o Instituto Liberta, a cada 24 horas, 320 crianças e adolescentes são exploradas sexualmente no país, ficando atrás somente da Tailândia. Entretanto, esses índices podem ser ainda maiores, uma vez que somente 7 a cada 100 casos são registrados.
Consequências do abuso sexual para a mulher
O abuso sexual gera graves consequências, principalmente em relação à saúde mental. Segundo a psicóloga, “o indivíduo que sofreu abuso terá sequelas para o resto de sua vida, como medo patológico, isolamento social e até mesmo estado depressivo maior”.
Para lidar com essas sequelas, “a vítima precisa ser assistida por profissionais qualificados, que possam ampará-la”, orienta a profissional. Além disso, é importante o amparo e acolhimento familiar, principalmente no caso de crianças e adolescentes para não se sentirem mais vulneráveis e inseguros diante do ocorrido.
Exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes
Conforme explica a advogada, “quando a exploração envolve crianças e adolescentes, alguém ganha dinheiro às custas do sexo praticado, por exemplo, nos casos de prostituição infantil”. Ainda há situações em que as próprias “mães consentem em ver seus filhos abusados sexualmente em troca de dinheiro”, completa.
Esse abuso pode envolver atos que incluem carícias, toques íntimos, penetração vaginal, anal e oral. Além disso, como já mencionado, nem sempre o abuso ocorre por meio do contato físico. Podem ocorrer práticas exibicionistas, como a masturbação, conversas de cunho sexual ou exibição de conteúdo pornográfico.
As profissionais informam que a educação sexual ajuda a proteger crianças e adolescentes dos perigos do abuso. “Uma paciente disse em meu escritório: eu não sabia que aquilo era errado, só me recordo que eu tinha medo do que estava acontecendo”, conta a psicóloga.
Para a advogada, “é importante orientar desde cedo, respeitando as fases de desenvolvimento da criança/adolescente e abordagens apropriadas. Entre alguns conceitos, falar sobre consentimento, autoproteção, a integridade corporal e a diferença entre carinho e movimentos invasivos podem ajudar bastante”.
Ela ainda diz que quanto mais as crianças estiverem preparadas sobre o assunto, menores as chances de sofrerem abuso, violência, exploração e pedofilia. Mas explica que “isso não significa, obviamente, que está correto expor a criança a conteúdos sexualizados, pois são coisas totalmente diferentes”.
Por que e como denunciar o abuso sexual
Denunciar é importante para combater o abuso sexual e evitar que outras mulheres, crianças e adolescentes passem por essa situação. “A denúncia é essencial por diversas razões: significa um basta na agressão sofrida, estimula outras vítimas a não se manterem silenciadas e avançar na punição dos abusadores”. Além disso, a psicóloga reforça que “se o criminoso não for denunciado, ele continuará a cometer os estupros e a sociedade precisa se proteger desse tipo de crime”.