HERANÇA: AMANTE TEM DIREITO?
O casamento tradicional não é, atualmente, a única forma de constituição familiar. A modernidade ampliou o conceito de família, e o afeto passou a ser o elemento caracterizador para o reconhecimento da entidade familiar.
Mesmo com toda a liberdade que existe hoje em dia, ainda é bastante comum que as pessoas optem pelo matrimônio, e mesmo assim mantenham relacionamentos fora do casamento – as chamadas relações extraconjugais.
As relações extraconjugais sempre existiram. Com a Constituição de 1988, que estabeleceu a união estável, as relações paralelas ao casamento começaram a ser chamadas de concubinato, designação mantida até hoje, descrita no artigo 1.727 do Código Civil de 2002:
“Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.”
Muitas mulheres se preocupam se, em caso de falecimento do marido, terão que dividir a herança caso apareça uma amante e ela entre na Justiça reivindicando seu suposto direito aos bens do falecido.
É muito importante diferenciar as relações extraconjugais das chamadas famílias simultâneas ou paralelas. No primeiro caso, trata-se de um casal de amantes, enquanto no segundo há a constituição de uma família.
Assim, os relacionamentos extraconjugais em que as pessoas envolvidas eram apenas amantes não geram efeitos patrimoniais. Mas e nos casos em que a amante não sabia que o homem era casado, e com ele constituiu uma nova família?
A chamada família paralela ou simultânea – quando há duas uniões familiares concomitantemente – é ainda um tema bastante controverso no Direito de Família, e por este motivo existem três principais correntes.
A primeira é bastante conservadora, pois não reconhece, em nenhuma hipótese, a família paralela, defendendo que esta fere princípios previstos na lei, como o princípio da lealdade, da fidelidade e, principalmente, o princípio da monogamia.
Esta corrente entende que o Estado escolheu o relacionamento monogâmico para a constituição familiar e que a bigamia é um delito, descrito no artigo 235 do Código Penal Brasileiro, sujeito a sanções penais.
A segunda corrente admite a união estável putativa, ou seja, admite que possa existir a união estável nos casos em que existir boa-fé, quando a parceira desconhece a existência da união anterior do seu parceiro.
A terceira, de cunho liberal, defende que todas as uniões poderiam ser reconhecidas, a fim de garantir à família paralela respaldo jurídico. Esta corrente entende que a monogamia é um princípio moral, e não um preceito estabelecido por lei.
A jurisprudência brasileira vem, pouco a pouco, aceitando a existência de outros núcleos familiares. Para isso, é preciso que o princípio da monogamia seja flexibilizado, a fim de garantir às famílias paralelas a um casamento ou uma união estável os direitos que lhes são inerentes.
Portanto, a existência de uma união pública, contínua e duradoura – uma família paralela – gera direitos patrimoniais como pensão alimentícia, partilha de bens e herança, mas uma relação de amantes não.
Em 2017, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), que confirmou sentença da 2ª Vara de Direito de Família de Niterói, condenou uma viúva a dividir a herança do marido, inclusive metade do prêmio da Mega-Sena no valor de R$ 12 milhões, com a amante, que alegou desconhecer o casamento anterior.
Deste modo, a amante foi reconhecida como companheira, ou seja, foi reconhecida a união estável putativa uma interpretação em analogia ao casamento putativo, que ocorre de boa-fé, quando um dos companheiros acreditava estar em um relacionamento sem qualquer impedimento jurídico, com uma pessoa livre.
Atualmente, a lei garante aos cônjuges e aos companheiros os mesmos direitos sucessórios. Portanto, se comprovada a união estável, a mulher terá direito à meação, ou seja, a 50% dos bens do falecido e à herança, mas somente em relação aos bens que foram adquiridos de forma onerosa durante a união.
É importante lembrar que há casos em que a união estável não é reconhecida, a mulher é considerada amante, mas existe um filho, fruto deste relacionamento extraconjugal. Nestes casos, este filho terá direito à herança, mas a mãe não.
O Direito precisa acompanhar a evolução da sociedade. É necessário analisar cada caso, para que seja possível fazer justiça às famílias paralelas, que durante muito tempo foram invisíveis aos olhos da lei.
Anderson Albuquerque – Direito da Mulher – Direito à herança