Amor-próprio não pode ser condição determinante para amar

O perfeccionismo é uma característica que se tornou a queridinha em processos seletivos. O defeito que não é bem um defeito. Mas é um traço que eu não desejo a ninguém.
O que não nos contam sobre o perfeccionismo é que ele vem atrelado a um imenso sofrimento. Quando sua base de comparação para tudo é irreal, não há realidade que chegue perto. Isso tem algumas implicações práticas contra as quais luto diariamente.
Por exemplo: me tornei uma procrastinadora contumaz. Estou sempre em busca de uma excelência que não é factível, então eu ‘enrolo’ para começar tarefas de forma a evitar a angústia que inevitavelmente chega quando eu percebo que não serei capaz de atender aos requisitos que eu mesma defini em minha cabeça. O resultado do que quer que seja que eu faça sempre está aquém do esperado (por mim mesma, mas eu me convenço que todas as pessoas também sabem do que eu ‘poderia ser capaz’ e me julgam por não ‘chegar lá’). A frustração e o sofrimento sempre vêm, certeiros.
Esse comportamento me acompanhou durante toda a minha vida. Às vezes, se eu achar que não estou seguindo uma rotina ideal, preciso combater o impulso de simplesmente não levantar da cama. Se não for para ser excelente em todos os aspectos, para que tentar?
Foi uma amiga que ofereceu pela primeira vez algum alívio na carga de culpa que eu carregava por não estar fazendo tudo que eu defini que deveria fazer. Ela me disse: ‘Você não precisa fazer nada disso feliz, basta continuar fazendo’. As palavras me ofereceram um alento ao qual eu retorno todas as vezes que o fardo fica pesado demais. Tem coisas que eu sei que preciso fazer (me alimentar, me exercitar, levantar da cama, responder a mensagens de meus amigos, tomar um pouco de sol) e não posso esperar que a disposição venha para tal, porque sei que ela não vem.
Quando relatei o caso na terapia, minha psicóloga retribuiu com duas frases. A primeira é uma velha conhecida: ‘Feito é melhor do que perfeito’. Com anos de perfeccionismo nas costas, eu elaborei uma estratégia para contornar os pensamentos negativos que tomam minha cabeça; costumo deixar o prazo chegar bem pertinho, de forma que qualquer coisa que eu entregue seja melhor do que não entregar nada. Mesmo com os riscos, a ‘técnica’ evita que eu fique paralisada diante de uma tarefa que eu sei que não serei capaz de exercer com a perfeição ideal.
A segunda frase foi como um abraço: ‘Você não precisa se amar’. É claro que o ideal é que você tenha algum apreço próprio, mas tem coisas que não podem depender do amor-próprio para caminhar.
‘Se você não se ama, como é que vai amar outras pessoas?’, pergunta RuPaul em uma peruca loira volumosa e vestido de lantejoulas em praticamente todos os episódios do reality show de competição entre drag queens. Mas a questão aqui é que se eu for esperar até que eu me ame, terei anos de atraso no amor que poderia compartilhar com outras pessoas. Colocar o amor-próprio como condição para o -convívio em sociedade torna a existência ainda mais difícil. Eu posso amar profundamente outras pessoas enquanto apenas me tolero.
Feito é melhor do que perfeito. Fazer mesmo de maneira miserável me ajuda a me manter viva e em movimento.
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