Empoderamento motiva, mas rixa entre mulheres parece longe do fim
Cultivar amizades em que se estabeleça uma relação de segurança, respeito e afeto é importante, principalmente quando se necessita de uma rede de apoio. Mas em uma sociedade em que ensina mulheres a competirem o tempo todo, cultivar boas amizades femininas sem comparações e competitividade pode ser um desafio.
Conforme explica a socióloga Rayanne Jarcem, 33, é preciso ressignificar como mulheres são vistas pela sociedade para efetivar mudanças, pois a competitividade feminina começa desde a fase da infância, quando são ensinadas que mulheres não são confiáveis, passando a imagem de que representam um perigo para seu desempenho na sociedade, ou seja, são levadas a entender que não aliadas umas das outras, e precisam competir entre si.
“Vivemos em uma sociedade patriarcal e com valores machistas, e isso exprime uma visualização do que é ser mulher para a sociedade, que é repassada através da família, escola, religião, cultura, economia e mais. Ou seja, por onde olhamos, enxergamos essa construção sendo mantida’, comenta Rayanne.
A socióloga destaca que o “fato competição’ é ainda mais reforçado pelo fato da mulher ainda ser vista pela sociedade como um troféu a ser conquistado, e para que isso ocorra, precisa garantir que tem mais atributos que as outras.
Nas produções midiáticas não é diferente. Muitas reforçam esse estereótipo, com a criação de filmes, séries e músicas em que apresentam mulheres se contrapondo e tendo inimizades em prol de algo, e na maioria das vezes em relação aos homens. “Isso tende a debilitar como as mulheres se enxergam, trazendo danos ao longo da trajetória de vida’, explica Rayanne.
Para a socióloga, vivemos um “chamado’ para refazer essa rota, aliado ao acesso à informações que abre caminhos para novas possibilidades de entendimentos e absorção do que é ser mulher. A mudança vem aliada à correntes teóricas, como o feminismo, produções culturais, intelectuais, artistas, profissionais de diversas áreas que apoiam reestruturação desse vínculo, e apontam novos caminhos para a construção do sentimento de irmandade.
“O ressignificar dessas relações começa quando nos questionamos enquanto sociedade, e nos perguntamos porque fazemos o que fazemos como mulheres e homens, e assim passamos a considerar novas rotas. A “rixa’ feminina pode não está longe de acabar, afinal são séculos de socialização respondendo ao mesmo modelo de opressão. Mas com certeza a lealdade entre mulheres está mais perto agora’, pontua.
Para a psicóloga Bianca Amorim, 24, que decidiu se especializar no campo de gênero e sexualidade, e tem abordagem voltada a este público, cultivar amizades é importante para saúde mental de todo mundo, mas principalmente para quem faz parte de algum grupo marginalizado, onde podem se incluir as mulheres.
“Muitas vezes pessoas de fora de um grupo privilegiado não acessam o afeto, ou só acessam afetos específicos, tornando os laços de amizade ainda mais importantes. É importante cultivar uma comunidade amorosa porque a gente se fortalece nela’, explica a profissional.
Segundo a psicóloga, é difícil dizer o quão perto ou longe estamos de por um fim à competitividade, comparações e rivalidade entre mulheres, pois é uma estrutura reforçada por muitos séculos e imposto socialmente desde a infância. Um bom caminho para acabar com isso, seria tirar mulheres de uma posição em que se considera esses conceitos algo inato, e que nasce com elas, para que não reproduzam sso na vida adulta.
“Eu acredito que a gente se olhar enquanto comunidade tem uma potência muito forte pra mudança, pra construção de auto estima, pra conquista de direitos, pra várias coisas. Não que seja fácil a gente não se rivalizar, como eu disse isso foi imposto por muito tempo e é difícil de largar, mas o mundo já tá contra a gente em vários sentidos, não podemos dar poder pra ele ficando nós contra nós mesmas também’, destaca.
A união faz a força
Para a estudante Maria Eduarda Fernandes, 21, a rivalidade e competição entre as mulheres ainda está longe de acabar, mas acredita que há bastante progresso sendo feito em relação a isso. “Diminuir umas às outras nos torna alvos mais fáceis de manipulação, não vale a pena se privar de uma amizade com outra mulher por achar ela melhor que você. Acho que primeiro temos que aceitar as nossas inseguranças para acolhermos as outras mulheres’.
A estudante se considera bastante introvertida, mas todas as amizades que cultiva com outras mulheres são de longa data, e já ultrapassam seis anos. Ela relata que se sente segura e confortável com elas.
“É ótimo ter amizade com outras mulheres, elas são mais receptivas e geralmente nos entendem totalmente, é tipo uma mãe versão amizade, compartilhar as coisas do dia a dia, sendo frustrações ou alegrias, e se identificar ou escutar um conselho é muito bom, porque às vezes é só isso que precisamos enquanto tomamos um sorvete ou café superfaturado’, diz Maria Eduarda.
Para a diarista Danielly Oliveira, 26, é importante ter uma rede de apoio em que se sinta segura e confortável para compartilhar os acontecimentos do dia-a-dia, sejam eles estresses, angústias ou notícias boas, sem receber em troca julgamentos e reprovação.
Ela confessa não ter tantas amizades com outras mulheres, mas tem uma amizade de quatro anos, que relata ter sido seu maior alicerce para enfrentar problemas psicológicos.
“Ela me acompanhou na minha gravidez, quando eu tava depressiva ela me tirou daquele buraco. Eu a amo demais e ela me ajuda super na minha saúde mental. Quando eu penso que vou desmoronar ela está lá pra me levantar. Às vezes guardamos algumas coisas e ter uma amizade feminina que te entenda é ótimo’, declara.
Ter encontrado apoio em outra mulher foi fundamental para Danielly, mas ela reconhece que a competição e a rivalidade entre mulheres ainda existe. “Eu acho que essa rixa de mulheres está muito longe de acabar pelo simples fato de elas entre si fazerem isso quando se sentem ameaçadas, tanto na carreira quanto com algum relacionamento. Muitas mulheres entendem como competição ou algo do tipo e acabam ‘puxando’ nosso tapete’, opina Danielly.
Segundo a auxiliar administrativa Carolina Aparecida Gonçalves, 29, ela tem as melhores amigas que uma mulher poderia ter. Para ela, uma amizade saudável entre mulheres é “antídoto para esse caos que transformaram o universo feminino’.
O valor das amizades que cultiva está no fato de que, entre elas, não há filtros, competições ou julgamentos. Ela relata se sentir acolhida, amada e cuidada por outras mulheres, que lhe acompanharam em diversos momentos delicados de sua vida, como enfrentamento ao luto, após a mãe falecer, e uma tentativa de suicídio.
“A minha melhor amiga era a minha mãe, com ela falava de tudo, coisas boas, ruins. Meus planos, minhas frustrações, era a minha confidente, quando ela se foi meu mundo desabou, achei que não conseguiria me manter viva. E foi graças às minhas amigas que eu passei por todos os sufocos que essa perda me trouxe’, relata.
Caroline finaliza dizendo que sonha com um mundo em que as mulheres não se encarem mais como rivais, e sim como iguais, e encontrem apoio umas nas outras.
“Eu queria que as pessoas entendessem que não é sobre quem tem o melhor carro, o corpo mais bonito, o cabelo mais lindo, a roupa mais bonita, no fim é sobre quem você tem como apoio, como parceria, que desperta o seu melhor’.