Incontinência urinária: cerca de 60% das mulheres não recebem tratamento adequado
As constantes mudanças na vida da mulher incluem diversos problemas de saúde quando não são tratados adequadamente. A incontinência urinária é um deles, infelizmente presente durante a perda de hormônios, afetando a saúde sexual.Durante a minha formação, me apaixonei pelos cuidados com a mulher, principalmente na terceira fase: menopausa e climatério. São tantas mudanças que, se a mulher não tiver um bom ginecologista ao seu lado, ela pode acabar em um estado devastador.
Dentre essas inúmeras mudanças, uma delas sempre me chamou mais a atenção: a incontinência urinária. Não é que a mulher não possa ter incontinência urinária em outros momentos da vida, mas com a perda progressiva dos hormônios na menopausa, a prevalência aumenta significativamente.
O que é incontinência urinária?
A incontinência urinária pode ser definida como a perda involuntária de qualquer volume de urina, seja pela uretra ou por orifícios extra uretrais, como fístulas ou malformações do trato geniturinário. Ela é vista como um sintoma, um sinal e uma alteração no estado de saúde, porém, apenas uma em cada quatro mulheres procura tratamento médico para essa condição — seja por constrangimento, acesso limitado a profissionais de saúde ou triagem e encaminhamento inadequados por outros colegas quando a identificam.
Tipos de incontinência urinária
Três tipos de incontinência urinária podem ser observados: a incontinência urinária de urgência, o quadro de bexiga hiperativa e a incontinência urinária aos esforços (IUE) —foco desta matéria. A incontinência urinária de esforço (IUE) é especificamente caracterizada pelo o vazamento involuntário de urina por esforço, espirros ou tosse, e afeta cerca de 4 – 35% das mulheres.
Tratamento para a incontinência urinária
Em relação ao tratamento, mesmo com todo o conhecimento sobre o mecanismo de surgimento da doença e os impactos na qualidade de vida de quem tem incontinência urinária de esforço, cerca de 60% das pacientes não são tratadas quando essa queixa não é o principal motivo da consulta e, das que são tratadas, 50% ficam moderadamente a muito frustradas com o resultado.
Em geral, quando realizado, o tratamento é iniciado com medidas conservadoras, como a compensação de doenças de base, mudança no estilo de vida, terapias comportamentais e medicações, até as mais invasivas, como as correções cirúrgicas.
E quando a incontinência urinária impacta a vida sexual da mulher?
Não há na literatura trabalhos que tratem especificamente sobre a íntima relação entre a incontinência urinária e as dificuldades associadas à ela durante a relação sexual, inclusive, há uma pesquisa que conclui que, mesmo diante de um tema tão relevante para a saúde da população feminina, ainda padecemos mundialmente de um olhar superficial e fragmentado sobre a temática.
De fato, a relação sexual exige da musculatura abdominal muita força e o aumento da pressão abdominal é mais intenso nesta do que em qualquer outra atividade física, o que pode justificar a perda urinária durante o ato.
Mas o que mais chama atenção nessa temática não é a perda urinária propriamente dita, mas o impacto mental atribuído a ela, que cursa com medo e vergonha: medo do parceiro perceber, medo da perda urinária ser muito grande, medo de sujar a cama, medo do cheiro estar muito forte… e vergonha caso alguma dessas coisas aconteça, afetando a confiança da mulher, que pode não ter confiança plena na parceria para conversar sobre e ser acolhida.
O tratamento da incontinência urinária tem melhora no aspecto sexual?
Essa foi uma pergunta que eu me fiz ao final da minha especialização em ginecologia e obstetrícia: será que as pacientes sentem melhora no quesito sexual quando a incontinência urinária é corrigida? Para respondê-la, estudei a fundo e elaborei uma parte do meu TCC (trabalho de conclusão de curso) focado nessa questão.
Através da adaptação do King’s Health Questionnaire (um questionário de qualidade de vida), comparei como a paciente avalia quesitos como saúde, limitações do desempenho das tarefas diárias (limpar, lavar, cozinhar, etc.), limitações físicas e sociais (fazer caminhada, correr, fazer algum esporte, viajar, ir à igreja, reuniões ou festas, visitar os amigos, etc.), qualidade de vida (frequência que ia ao banheiro, presença de noctúria, urgência miccional, bexiga hiperativa, enurese noturna, incontinência no intercurso sexual, infecções frequentes, etc.), emoções (depressão, ansiedade, etc.), sono e energia (atrapalhava o sono, sentia-se desgastada, cansada, etc.), situações (uso de protetor higiênico, fralda, forro, absorvente, controle de quantidade de líquido ingerida, troca de roupas, odor fétido de urina, etc.), e o principal: relações pessoais (vida sexual, vida com companheiro, relação com familiares, etc.) —tudo isso antes e depois da cirurgia para correção de incontinência urinária de esforço.
Conversei com um total de 51 pacientes que haviam sido operados no hospital que eu trabalhava na época, em 2020. A primeira pergunta que fiz foi referente a vida com o companheiro e quanto a incontinência urinária atrapalhava sua vida sexual.
Em torno de 56% das pacientes referiram algum grau de desconforto durante o intercurso sexual, contra 44% (um número considerável) que não apresentava esse tipo de queixa. Em contrapartida, após a cirurgia, de uma maneira geral, 36% das pacientes referiram muita melhora nesta questão e 14% referiram que a melhora foi parcial, mas houve melhora. Das pacientes que avaliaram suas limitações durante o ato sexual como grave (6%), 100% observou melhora após a realização da cirurgia, sendo que 50% apresentou muita melhora e 50% apresentou uma melhora parcial.
Questionei também se havia perda urinária durante o intercurso sexual e 47% das pacientes afirmava que essa perda acontecia muito. Após a cirurgia, a melhora foi percebida, em algum grau de intensidade, por 72% das pacientes da amostra. Das pacientes que afirmaram muita perda urinária durante a relação sexual, 41% teve uma melhora importante, porém um número considerável não observou a mesma melhora: 35% não apresentou mudanças significativas após a cirurgia.
Apesar dos números parecerem bons, não houve um trabalho associado com terapia sexual para, de fato, resgatar a sexualidade plena nessas pacientes, o que, a longo prazo, pode ter ocasionado a perda dessa melhoria pela falta de trabalho mental associado ao físico.